A voz ou a plenitude do texto. Performance oral, práticas de leitura e identidade literária no Ocidente medieval
DOI :
https://doi.org/10.4000/medievalista.958Mots-clés :
Literatura Francesa Medieval, Tradição oral e cultura escrita, História da leitura, História do LivroRésumé
Num célebre episódio relatado no livro VI, 3 das suas Confissões, Santo Agostinho manifesta a sua perturbação e perplexidade perante a atitude do seu mestre e amigo Ambrósio cujos olhos deambulam, em absoluto silêncio, pelas páginas de um manuscrito. Porquê este espanto que a crítica se apressou a interpretar como uma inequívoca prova de que a Alta Idade Média, herdeira dos modelos da Antiguidade Clássica, cultivou essencialmente a leitura em voz alta, ao invés da Baixa Idade Média (essencialmente a partir dos séculos XI-XIII) que teria inventado a leitura silenciosa, prática que o progressivo alargamento das comunidades textuais (Brian Stock) viria acentuar de forma irreversível? Partindo do testemunho privilegiado da literatura francesa medieval (mas não só), estas reflexões visam questionar a concepção evolucionista e cognitiva da leitura recentrando a problemática na irredutível tensão – que tem em parte caracterizado cultura ocidental – entre a letra e a voz, entre uma idealização da escrita erguida à esfera mágica do sagrado (ou da Lei) que coloca a performance oral sob o signo da afabulação corruptora, e uma longa tradição que, de Platão a Hegel, assimila o logocentrismo a um fonocentristo em que a escrita, significante do significante (Jacques Derrida) não passa de uma cristalização redutora da voz da qual emana a totalidade do ser e a plenitude da palavra.
Téléchargements
Publiée
Comment citer
Numéro
Rubrique
Licence
(c) Tous droits réservés Medievalista 2025
Ce travail est disponible sous la licence Creative Commons Attribution 4.0 International .