Aparelho algorítmico de Estado

Autores

DOI:

https://doi.org/10.34619/mqbq-xbdm

Palavras-chave:

simulacros , ideologia, technicidade, subjectividade, panóptico, realismo capitalista, inteligência artificial , teoria crítica

Resumo

Há muito que se impõe uma reapreciação crítica dos modos como o digital e a go- vernação algorítmica instituem a experiência “humana”, a agência e as estruturas sociais. Com o surgimento da IA, a teoria encontra-se numa encruzilhada, con- frontada com um “limite-do-constructo”, que deixou de ser uma mera metáfora para a relação fantasmática entre a technē da representação e o transcendenta- lismo pós-humanista, passando a designar a própria situação precária da teoria, enquanto prótese da razão e agência autónoma crítica.

Este cenário, frequentemente descrito como uma fronteira entre o humano e o tecnológico, reflecte a preocupação com o simulacionismo e o controlo exercido por sistemas computacionais sobre a “realidade”,assim como um desejo para re- cuperar este “para além da experiência” em vista de um novo existencialismo, um novo humanismo.

É um cliché readymade que o emergir de Large Language Models requer uma rea- valiação de preconceitos sobre a inteligência, consciência e o papel dos humanos num mundo constituído tecnologicamente, et cetera. No entanto, se o desen- volvimento acelerado da IA e da hiper-automação problematiza concepções de agência tanto antropocêntricas como pós-Antropocêntricas, isto não acontece em função de uma rápida des-integração da “experiência subjectiva” dentro de uma “alucinação consensual” da “realidade” (o modernismo em segunda mão), como William Gibson o celebremente formulou, mas pelo desintegrar do próprio en- quadramento da “experiência” em geral e do “consenso” em particular.

Enquanto termos como algoritmos e tecnicidade são frequentemente afectados a significar sistemas reductores pré-determinados e teleológicos que traduzem input em output, causa em efeito, intenção em acção, a suainteira genealogia (de Aristóteles, Mumford, Giedion, McLuhan e além) fala de uma poiēsis ou poética da espontaneidade, indeterminação, complexidade. Não é que algoritmos sejam me- ramente generativos,mas que o são assim ambivalentemente. Cada enviesamento algorítmico é ambivalentemente determinado. Tal estende-se à natureza arbitrária, estocástica e interoperável da “representação”, “experiência” e“realidade”.

Na esteira da tese de Althusser acerca Aparelhos Ideológicos do Estado, assim como do realismo capitalista de Fisher, podemos postular a experiência subjectiva e a realidade consensual como emergente — eenquanto — estados de ambivalên- cia, de modo que a “concretude” das relações sociais postuladas pela teoria crítica (e.g. Marxista) é vista como profundamente articulada com uma governação al- gorítmica ad hoc, em vez de actualizar ou reificar uma teleologia política subja- cente. O mesmo se pode dizer da história do panóptico, do simulacionismo e da “sociedade do espectáculo” (tal como teorizados por Bentham,Debord, Foucault e Baudrillard).

O que aqui é denominado de Aparelho do Estado Algorítmico transgride em todos os pontos a lógica da vigilância panóptica sob as condições da IA — da experiên- cia subjectiva e do real-consensual –, produzindohipóteses humanas (artefactos egóticos radicalmente simulacrais) a partir de redes neuro-computacionais solipsísticas (Máquinas de Turing Universais teóricas-reais). Este sistema de controlo sem estado opera no lugar onde a ideologia não vê — nohiperespaço recursivo entre o omnisciente e o inverificável; necessidade e o impossível —, erguendo edi- fícios da ordem da pura metáfora, autopoiéticos e indeterminados, mas como se fossem productivos de todos os realismos passados, presentes e futuros.

Biografia Autor

Louis Armand, Centre for Critical and Cultural Theory, Charles University, Prague, Czech Republic

Louis Armand’s critical works include Feasts of Unrule (2024), Entropology (2023), Videology (2017), The Organ-Grinder’s Monkey: Culture after the Avantgarde (2013), Event States (2007), Literate Technologies (2006), Solicitations: Essays on Criticism and Culture (2005), Technē (1997) and Incendiary Devices (1993). Edited volumes include Pornoterrorism (with Jaromír Lelek, 2015), Contemporary Poetics (2007), Language Systems (with Pavel Černovský, 2007), Technicity (with Arthur Bradley, 2006) and Mind Factory (2005). His work also appears in the Palgrave Handbook of Critical Posthumanism (2022) and the Oxford Research Encyclopaedia (2017), among others. He is the Director of the Centre for Critical and Cultural Theory, Charles University, Prague.

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Publicado

2024-11-29

Como Citar

Armand, L. (2024). Aparelho algorítmico de Estado. Revista De Comunicação E Linguagens, (60), 65–90. https://doi.org/10.34619/mqbq-xbdm