Call for papers| RCL nº. 64 |"Cadências: Movimentos da Atenção nas Artes e Quotidiano"

2025-07-23

Editores: Sílvia Pinto Coelho, Luís Mendonça, Erik Bordeleau

Prazo para submissões: 15 de dezembro de 2025  31 de janeiro de 2026

As artes criam modos e mediações específicos que comportam variações da atenção. Há “afinações da atenção” que geram cadências, movimentos e intensidades entre diferentes tipos de foco. Há a atenção mais ou menos flutuante, mais ou menos desinteressada, ou distraída. A atenção está sempre em movimento e, de algum modo, ao serviço de um desejo, de uma intenção, de uma tarefa, de uma necessidade, de uma volição.

O estudo das variações da atenção nas artes, incluindo na performance e no cinema, está também ligado ao modo como vemos o mundo e escolhemos o que queremos mostrar. A sensibilidade afina-se para poder dar visibilidade a algo que antes se confundia com a paisagem, destacando-o, ou co-compondo com ela. Quando escolhemos um recorte, ou compomos um enquadramento para o que vamos partilhar, criamos um excedente que corresponde a tudo aquilo que escolhemos não mostrar, e uma margem, que está dentro do recorte do que é mostrado, mas que não é reforçada como “o mais relevante”.

Baseando-se no modo como os derivativos financeiros reconfiguram a relação com o risco e com o valor nos mercados financeiros, a lógica social do derivativo de Randy Martin enfatiza o poder de variações aparentemente menores em relação às dimensões transdutivas, estéticas e afectivas do risco e do valor. A sua concepção de criticidade aparece como uma prática contínua de “avaliação”, revelando o modo como as práticas atencionais nas artes também servem uma função especulativa, criando valor através do próprio acto de foco selectivo enquanto geram simultaneamente novas formas de estar juntos.

É nestas escolhas que podemos observar também, alguns modos de operar que são comuns nas artes e na política. Diversas possibilidades estão presentes entre aquilo que se considera relevante ver e dar a ver, e aquilo que é deixado de fora da atenção com as suas consequentes implicações, dando origem ao que Yves Citton chama “ecologias da atenção” colectivas.

A palavra “cadências”, por seu lado, comporta uma dimensão processual e dinâmica que não se relaciona apenas com modulações e ritmos, mas também com quedas. “Cadere”, palavra que tem a mesma origem de “cadência”, contém a ideia de queda. Podemos cair dentro, ou fora, de um determinado tipo da atenção, de uma curiosidade, de uma paixão. Podemos fluir na atenção por meio de quedas, como acontece no surf, ou no Contacto Improvisação. Essas possibilidades descrevem bem o modo como vivemos em constante “improvisação”.

Podemos também criar falhas, brechas dentro do sistema “hiper-high-tech” (Lipovetsky e Jean Serroy), ou “dromosférico” (Paul Virilio) em que vivemos, através das quais podemos inscrever alguma forma de anti-discurso “ralentizante” ou “desprogramar” (Flusser), regenerar e contra-piratear (Jorge Vieira) aquele que já vigora e que tende a vigiar, dirigir e condicionar – ou mesmo a punir e a colonizar – os nossos movimentos, acções e focos de atenção. Enfim, como interferir no generalizado quadro de desatenções desatentas e interpassivas (Mark Fisher) para, “nele” e/ou “contra ele”, instaurar uma nova ecologia das imagens (Susan Sontag)?

Se falamos em cadências, podemos falar também em coincidências, no gesto ou movimento de “incidir em” ou, concretamente, “cair sobre”. Num mundo dominado por imagens virtuais e ecrãs que as transmitem, a realidade dá lugar à simulação e ao espaço indeterminado da Internet (Baudrillard). A realidade coincidindo com a sua simulação é, por vezes, ultrapassada por ela. Como podemos situar todas estas coincidências e desconcidências no campo das artes, quando termos como “computer art” ou “realismo” parecem ser cada vez mais redundantes ou insuficientes, carecendo urgentemente de uma actualização crítica?

No cinema, as questões relacionadas com a aceleração da vida quotidiana e a dispersão da informação numa realidade “ecranizada” surgem com frequência no debate entre aceleracionistas e retardatários, falamos de um cinema acelerado (fast) versus um cinema “ralentizado” (slow). Autores como Matthew Flanagan, Tiago de Luca e Steven Shaviro debruçam-se sobre a importância de desacelarar ou, pelo contrário, acelerar ainda mais o tempo do cinema como modo de intervenção política sobre o real. O problema da atenção emerge, assim, como decisivo tanto para se pensar e diagnosticar a sociedade como para a reimaginarmos e a concebermos de outro modo. O cinema “lento” emerge, então, como uma prática crucial para cultivar aquilo a que poderíamos chamar “artes da atenção imanente” (Isabelle Stengers). Esta atenção imanente resiste às lógicas extractivistas das economias da atenção ao recusar entregar a atenção como mercadoria, promovendo, em vez disso, uma consciência sustentada e não direccionada que permite encontros e transformações inesperados.

Em 2013, o colóquio “Movimento e Mobilização Técnica” promovido pelo extinto Centro de Comunicação e Linguagens lançou o mote para a RCL – Revista de Comunicação e Linguagens com o mesmo tema. Pode dizer-se que “Cadências, Movimentos da Atenção nas Artes e Quotidiano” colhe a sua inspiração nesse outro “movimento” inicial e que esta publicação, de algum modo, dá continuidade e homenageia a própria RCL, no momento em que mudou de suporte e de estilo. Em 2016 – o número 45/46 da RCL, foi a última revista RCL publicada em papel. Em 2025 a RCL faz quarenta anos!

Na conferência internacional Cadências: Movimentos da Atenção nas Artes e Quotidiano realizada pelo ICNOVA em Maio de 2025, a ênfase foi dada à atenção como característica comum aos processos artísticos e de mediação quotidiana. Nesta chamada para artigos, abrimos o leque temático contemplando, além das cadências dos movimentos de atenção, as coincidências, as afectações cinéticas e cinemáticas e respectivas consequências políticas.

Convidamos a apresentação de artigos com e sobre modos e ecologias da atenção — pensando no “eco” da ressonância sonora —, e na ecologia das relações como teia intrincada de inter-afectações. 

Aceitamos propostas sobre movimentos da atenção ligados às artes e à vida quotidiana, artigos, ensaios visuais, ou recensões sobre os seguintes temas (entre outros possíveis):

- Mediação da atenção.
- Roubo da atenção e défice de atenção.
- Artes, artesanatos, artesanias e oficinas na sua relação com a atenção.
- Estudos de performance.
- Aceleracionismo e lentidão.
- Ecologia das imagens e pirataria generativa.
- Dramaturgias da atenção.
- Atenção, afecto e cuidado.
- Atenção transindividual e comunidade.

 

Os manuscritos (artigos, ensaios, recensões) podem ser escritos em inglês, francês, espanhol ou português e serão sujeitos a dupla revisão por pares.  A formatação deve estar de acordo com as normas de submissão da revista, e a submissão deve ser feita através da plataforma OJS.

 

Referências: 

Baudrillard, Jean. 1994. Simulacra and Simulation. Ann Arbour: University of Michigan Press.
Bishop, Claire. 2024. Disordered Attention: How We Look at Art and Performance Today. Verso Books.
Citton, Yves. 2017. The Ecology of Attention. Cambridge: Polity Press.
Citton, Yves. 2018. “Learning to Derive. Financial Moves and Attentional Gestures in the Ecocidal Maelström.” Movement Research Performance Journal (51): 54–68. https://hal.science/hal-02912300v1.
​​Coelho, Sílvia Pinto. 2018. “Práticas de Atenção: ensaios de desterritorialização e performance coreográfica.” Cadernos de Arte e Antropologia 7(2): 43-55. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.1595.
Crary, Jonathan. 1999. Suspensions of Perception: Attention, Spectacle and Modern Culture. The MIT Press.
De Luca, Tiago. 2014. Realism of the Senses in World Cinema: The Experience of Physical Reality. London: I.B. Tauris.
Fisher, Mark. 2009. Capitalist Realism: Is There No Alternative? Winchester: Zero Books.
Flanagan, Matthew. 2020. Slow Cinema: Temporality and Style in Contemporary Art and Experimental Film. Edinburgh: Edinburgh University Press.
Flusser, Vilém. 2011. Into the Universe of Technical Images. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Lipovetsky, Gilles, and Jean Serroy. 2013.  L'esthétisation du monde: Vivre à l'âge du capitalisme artiste. Paris: Gallimard.
Martin, Randy. 2015. Knowledge LTD: Toward a Social Logic of the Derivative. Philadelphia: Temple University Press.
Martin, Randy. 1998. Critical Moves: Dance Studies in Theory and Politics. Duke University Press.
Nelson, Lisa. 2024. “Before Your Eyes, Seeds of a Dance Practice.” Contact Quarterly 29(1): 20-26. http://sarma.be/docs/3247.
Rosa, Hartmut. 2015. Social Acceleration: A New Theory of Modernity. Columbia University Press.
Shaviro, Steven. 2010. Post-Cinematic Affect. Winchester: Zero Books.
Sontag, Susan. 2003. Regarding the Pain of Others. New York: Farrar, Straus and Giroux.
Stengers, Isabelle. 2012. "Reclaiming Animism." e-flux Journal (36). https://www.e-flux.com/journal/36/61245/reclaiming-animism/.
Virilio, Paul. 1994. The Vision Machine. Bloomington: Indiana University Press.
Virilio, Paul. 2000. A Velocidade de Libertação. Lisboa: Relógio d’Água.

 

Este texto foi escrito usando o Acordo Ortográfico anterior a 1990.