Pensar o século XX como uma cartografia de textos – de vestígios que restituem, por descontinuidade, o significado que o século adquire para os atores deste mesmo século – é a tarefa filosófica levada a cabo por Alain Badiou que, a partir da década de 90, em ocasião de um dos Colóquios de Cerisy (1997), vem instaurando um complexo diálogo com a obra pessoana. Para Badiou, pensar o século XX significa destrinçar as singularidades do pensamento novecentista tanto em termos históricos (individuar o que foi pensado como anteriormente não-pensado) como em termos hermenêuticos (individuar o que foi pensado como impensável). Fernando Pessoa, segundo Badiou, pode ser interpretado não apenas como um dos testemunhos-chave da excecional estreia criadora (entre 1890 e 1914) definida idade dos poetas, mas também como reinventor da ideia de poesia, “que tem a tarefa de dar um nome ao século”. A obra de Fernando Pessoa, para além de compensar um imaginário nacional carenciado, atribui à própria poesia esforços hercúleos para repensar todo o século. Badiou reconhece ainda como a reflexão filósofica do século XX está longe de estar sintonizada com a poesia de Pessoa que, num desafio singular ao pensamento contemporâneo, não se sujeita às suas formas e medidas.