O artigo defende que o poema “Liberdade”, de Fernando Pessoa, é uma paródia do poema “The Tables Turned”, de William Wordsworth, escrita num contexto ditatorial. A apologia da natureza, por oposição à cultura, apresentada neste último poema é retomada em Pessoa, mas com um propósito muito diferente. Pessoa, num tom aparentemente leve, serve-se do contraste entre natureza e cultura para o adaptar à ideologia de Salazar, o ditador português, que restringia a liberdade de expressão dos intelectuais. Enquanto em Wordsworth a natureza é laureada como fonte de ética, Pessoa esvazia a nobreza deste elogio ao louvar a natureza por ser apenas o oposto das obrigações humanas (como, por exemplo, ler). O sujeito pessoano, indolente e despreocupado, parece ocupar o lugar a que Salazar destinou os intelectuais: o da acefalia crítica. Porém, há elementos do poema que dão conta da ironia subjacente ao papel representado pelo sujeito e a partir dos quais podemos ler não uma conivência com a política censória de Salazar, mas uma feroz crítica à mesma.