Como hoje em dia todos sabemos, a história do Dia Triunfal a propósito de Alberto Caeiro é um mito com um fundo de verdade. Menos sabido é que Pessoa, na mesma carta de 1935 em que contou como lhe aparecera o guardador de rebanhos, também criou um mito “triunfal” sobre Álvaro de Campos. Assim: “Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda surgiu a ‘Ode Triunfal’ de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.” A referida ode, na verdade, não foi escrita à máquina, mas à mão, e foi bastante emendada.
A ousadia efervescente de Campos também foi uma construção, utilizada para desconstruir os modelos literários que então prevaleciam. Álvaro de Campos consubstanciou o espírito e a ambição da revista Orpheu, que serviu, por sua vez, como um contexto para definir e destacar o seu génio não-aristotélico. O heterónimo era um grito libertador para Pessoa, para a poesia portuguesa e para o leitor com ouvidos para ouvir. Mas como é que surgiu exactamente? Qual era a sua relação, geneticamente falando, com Alberto Caeiro e Ricardo Reis? Em que consistia o triunfalismo da sua ode inaugural e do resto do seu percurso poético e “vivencial”?
O presente trabalho tenta responder a estas perguntas através de uma leitura atenta das cartas que Sá-Carneiro enviou para Pessoa no Verão de 1914, de alguns poemas de Álvaro de Campos (confrontados, em dois casos, com poemas de Carlos Drummond de Andrade), de rascunhos de poemas, atribuíveis a Campos ou a Caeiro, e de documentos em prosa assinados por Pessoa e por diversos heterónimos.