Este ensaio é uma análise introdutória àquilo que designamos por “teoria pessoana das Ideias”; queremos, com esta expressão, referir-nos à teoria das Ideias, no sentido platónico do termo, que é defendida por Fernando Pessoa em certos passos da sua obra, e que, seguramente de forma não-casual, é uma teoria elaborada, entre outras coisas, com o intuito de refutar Platão. Na medida em que o presente estudo é apenas uma introdução a este tema, a análise aqui oferecida incide somente sobre O Marinheiro. A principal razão pela qual elegemos este texto, em detrimento de outros, prende-se com o facto de O Marinheiro ser o único texto pessoano completo e publicado em vida do autor cujo tema principal é a teoria das Ideias. Isto significa que, apesar de haver outros textos pessoanos, tanto acabados como incompletos, éditos e inéditos (em vida do autor), que têm implicações importantes para a formulação da teoria pessoana das Ideias, estes textos não foram, ao contrário do que acontece com O Marinheiro, escritos com o intuito específico de desenvolver uma teoria das Ideias que demonstre os equívocos de Platão e forneça uma alternativa. Por este motivo, cremos que é preferível começar por analisar O Marinheiro ignorando, por ora, o resto da obra pessoana. Este ensaio visa, por conseguinte, esboçar a alternativa pessoana à teoria platónica das Ideias, alternativa essa que, quanto a nós, se pode resumir à seguinte concepção de Literatura: a possibilidade de, através de textos reduzidos a escrito, partilhar realidades concebidas pelo pensamento de alguém, independentemente de esse pensamento incidir sobre realidades que têm um correspondente físico ou sobre realidades que não têm qualquer correspondente material. O ponto fundamental a reter é o de que, para Pessoa, as Ideias são fruto do pensamento das pessoas, e não realidades incorpóreas existentes algures no éter e inacessíveis aos sentidos humanos.