Tomando como o ponto de partida o fenómeno da colaboração no Orpheu 2 da poetisa inventada Violante de Cysneiros, este ensaio esboça uma interrogação preliminar sobre a relação entre as figurações subjetificadas do protagonismo feminino associado a uma poética de vanguarda em alguns dos textos canónicos do Modernismo português (como, além do próprio Orpheu, A confissão de Lúcio de Mário de Sá-Carneiro e A Engomadeira de José de Almada Negreiros) e a herança estética e política decadentista, esta última em boa parte suprimida pela visão da época modernista consolidada na perspetiva histórico-literária dominante. O estudo de caso que sustenta esta proposta de revisão foca um texto em particular, o romance Nova Sapho (1912) do Visconde de Vila Moura, cuja protagonista, uma fidalga minhota de nome Maria Peregrina, lésbica e poetisa de génio, antecipa tais personagens modernistas posteriores como a “americana fulva” de Sá-Carneiro e a “engomadeira” de Almada. O que distingue ainda o romance Nova Sapho é a sua conjugação simbiótica do nativismo regionalista do Norte com uma visão amplamente cosmopolita — corporizada através da itinerância experiencial e intertextual da Maria Peregrina —, princípio que contradiz a polarização, avançada por Fernando Pessoa e largamente aceite pelos estudiosos do Modernismo português, entre o regionalismo e nacionalismo estreitos cultivados pelo círculo d’A Águia e o cosmopolitismo agregador de todas as tendências artísticas modernas, cultivado pela “escola de Lisboa” (Pessoa), ou seja, o grupo do Orpheu.