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Este artigo começa por traçar os contornos da política cultural cosmopolita do Orpheu, colocando-a no contexto da tensão entre nacionalismo e cosmopolitismo que definiu os modernismos europeus do início do século XX. Partindo desta reconsideração do espaço do Orpheu na cultura modernista, mostro em seguida, baseado em textos de Pessoa sobre a revista e nas dimensões cultural e estética do sensacionismo de Álvaro de Campos, que o cosmopolitismo periférico do Orpheu teve consequências poéticas que ultrapassam as suas políticas editorial e cultural, estendendo-se à criação artística pessoana, em especial ao imaginário cosmopolita da poesia de Campos. Mais precisamente, argumento que o espaço/tempo do cais lisboeta e a performance corporalizada de Campos em “Ode Marítima” — publicada no segundo número da revista — não apenas reflectem o impulso cosmopolita que moldou o Orpheu e o sensacionismo pessoano, mas também emergem como loci privilegiados para a materialização de um modernismo afirmativamente localizado/territorializado nas margens da Europa, em que desejo, cosmopolitismo e sexualidade se interseccionam para a constituição do que podemos definir, usando um termo de Michel Foucault, como uma heterotopia cosmopolita periférica.