O assunto central do Fausto de Pessoa, aquilo que parece originar as maiores angústias no protagonista desse drama inacabado, é a existência, o simples facto de haver alguma coisa, de haver um universo passível de ser percepcionado e a cuja percepção estamos condenados. É acerca desse Mistério fundamental que Fausto amiúde se interroga e é dele que derivam todos os outros mistérios, igualmente angustiantes e incómodos: da evidência incontornável de que há alguma coisa para lá da coisa que ele próprio é decorre que haja também a coisa que a tenha causado (Deus), a coisa que a nega (Morte) e a coisa contra a qual a exterioridade dela se estabelece (Eu). Significa isto que, ao contrário do que muitas vezes se sugere, não é na severidade do mundo interior de Fausto que reside a origem dos seus males. Aquilo que o define, e que a montante o proscreve, é a própria faculdade perceptiva. Ainda que se emaranhe em reflexões intermináveis e constantemente ceda à tentação da metafísica, é no momento de abrir os olhos e de dar de caras com a existência do mundo exterior que tudo principia. Nesse aspecto particular, Fausto não é diferente de Caeiro. O principal intuito deste artigo é o de mostrar em que medida isso é possível.