Não foi por acaso que Pessoa, na mesma carta de 1935 em que conta a história triunfalizante do aparecimento nele de Alberto Caeiro, em Março de 1914, explica que um “vago retrato” do heterónimo Ricardo Reis lhe surgiu já dois anos antes, “aí por 1912”, altura em que esboçara “uns poemas de índole pagã”, em “verso irregular”. Foi, na verdade, um pouco mais cedo, por volta de 1910, que Pessoa começou a escrever poemas de temática pagã, escritos em versos métrica e rimaticamente irregulares. Analisando essa matéria e confrontando-a com os primeiros poemas de Caeiro e de Reis, demonstro que era a matriz comum dos dois heterónimos que, nas suas origens, eram intimamente ligados. Um documento prefacial enigmaticamente datado de 1/2/1914 e redigido por volta de 1915 sugere-nos, aliás, que Pessoa pensava atribuir, já nessa altura, um “dia triunfal” a Ricardo Reis. Traçando toda a evolução do poeta classicista, tento provar que este, mais do que Caeiro ou Álvaro de Campos, era a expressão máxima de liberdade, segundo o conceito do termo defendido por Pessoa. Este era o triunfo maior de Ricardo Reis.